BRASÍLIA — Exatas duas décadas depois de o escândalo de compra de votos agitar o Congresso, o País amanheceu em clima de homenagens. Ao som de marchinhas da TV Câmara remixadas pela banda do Exército, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva liderou o primeiro dos muitos desfiles comemorativos, depositando um ramalhete de sempre-vivas no recém-erigido Memorial às Vítimas do Mensalão, descrito pelo governo como “túmulo do déficit reputacional nacional”.
O cortejo inaugural, rebatizado de Desfile da Transparência (apesar dos carros alegóricos totalmente cobertos), abriu o Ciclo Nacional de Memória do Mensalão (CNMM-20) — série de eventos que, segundo o Planalto, “visa promover reflexão, unidade e, se sobrar tempo, perdão parcelado em até 40 vezes”. Na tribuna, Lula conclamou 13 minutos de silêncio antes de acenar a ex-integrantes da base aliada acomodados em camarotes VIP rotulados “Setor da Delação”.
Entre os mais aplaudidos vinham os veteranos da CPMI dos Correios, marchando em passo lento enquanto brandiam relatórios de 2005 como se fossem estandartes de campanha. “Sobrevivemos a audiências infinitas, pareceres contraditórios e até à transmissão da votação em plena terça-feira à tarde”, declarou, com voz embargada, o ex-relator Osmar Serraglio, erguendo a mão como quem organiza fila nominal.
Por todo o Brasil, prefeituras organizaram mini-desfiles temáticos: em Belo Horizonte, passistas fantasiados de nota fria dançaram o peculato-funk; em Recife, um bloco de maracatu arrastou um boneco gigante de Marcos Valério puxando um extrato bancário de 30 metros. Drones do Tribunal de Contas sobrevoaram capitais lançando confetes em formato de bilhete bancário, numa coreografia “rigorosamente orçada”, garante o Ministério da Fazenda.
Apesar do tom festivo, analistas alertam para possíveis “guerrilhas arquivísticas” nas redes sociais. “Sempre há risco de hostilidades quando alguém redescobre o significado de ‘mensal’ em 2005”, pondera a politóloga Marilda Trigueiro. O governo, porém, aposta na catarse coletiva: ao final do desfile, Lula soltou pombos-correio brancos — referência sutil, segundo o cerimonial, ao papel dos Correios no escândalo original — e enfatizou que a data “não celebra a corrupção, mas sim nossa impressionante capacidade de revisitar a vergonha com banda e bateria”.
Caso o calendário patriótico-explicativo agrade, o Planalto já estuda novas efemérides, como a “Semana da Reconciliação Moral da Lava Jato” prevista para 2034 — com desfile, é claro, “para garantir a continuidade da tradição”.